The Name of Fear/Vaduz (Enge Räume/People in Disguise), 2021. © Rivane Neuenschwander

DASARTES 114 /

RIVANE NEUENSCHWANDER

MUSEU DEDICA MOSTRA À INTERNACIONALMENTE RENOMADA ARTISTA BRASILEIRA RIVANE NEUENSCHWANDER, SUA PRIMEIRA EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL NA ALEMANHA Todo o planejamento desta mostra individual é moldado pela situação da Covid 19, que é particularmente grave e trágica no Brasil. A artista, que valoriza muito a produção presencial em suas exposições, desta vez não viajou de São Paulo, […]

MUSEU DEDICA MOSTRA À INTERNACIONALMENTE RENOMADA ARTISTA BRASILEIRA RIVANE NEUENSCHWANDER, SUA PRIMEIRA EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL NA ALEMANHA

Todo o planejamento desta mostra individual é moldado pela situação da Covid 19, que é particularmente grave e trágica no Brasil. A artista, que valoriza muito a produção presencial em suas exposições, desta vez não viajou de São Paulo, onde mora e trabalha com a família. Toda a comunicação foi feita online, desde a pré-visualização das instalações, a primeira recolha de ideias, até ao planejamento concreto e implementação do percurso expositivo. E, no entanto, para nossa grande alegria, foram criadas e continuadas obras realizadas antecipadamente a partir de workshops com crianças no museu Kunstmuseum Liechtenstein, bem como obras que se inscrevem especificamente na situação arquitetônica. Faca não corta fogo apresenta a obra diversa de Rivane com pinturas, objetos, filmes, trabalhos têxteis e outras extensas instalações baseadas em cerca de cinquenta obras e fornecem uma visão abrangente de seu trabalho, com foco nas produções mais recentes.

Foto: Stefan Altenburger, Zürich. © Kunstmuseum Liechtenstein

O título da exposição é retirado de um poema do poeta português Herberto Helder (1930–2015) e atesta a confiança de Rivane no poder da poesia. Ao mesmo tempo, essa linha é altamente relevante: nenhuma faca é capaz de abrir corações ou mesmo eliminar pontos problemáticos. Em vez disso, é uma ferramenta que, dirigida contra as pessoas, causa medo. A poética permeia toda a obra de Rivane.

Em sua arte, a artista explora medos e esperanças, demonstrando como eles definem as pessoas e a sociedade. Suas obras testemunham um grande interesse pelas questões culturais, psicológicas e sociológicas, mas também pelos processos da natureza e seus efeitos globais. Há, portanto, uma compreensão profundamente filosófica em suas obras, em que ela coloca a perspectiva humana em perspectiva; por exemplo, a passagem do tempo, a força da natureza ou a atividade dos animais, que a artista encena como protagonistas influentes. Em parte, a artista inicia processos de auto-organização para a gênese da obra: formigas, por exemplo, tornam-se protagonistas formativas. Em seus trabalhos participativos, ela confia no potencial de cada visitante. Movendo-se entre a leveza estética e a profundidade empática, é, antes de tudo, a dedicação ao espectador que norteia o seu trabalho.

Eu desejo o seu desejo, 2003 © Rivane Neuenschwander

Para a instalação Eu desejo o seu desejo (2003), há uma referência a uma tradição da igreja Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador, no Estado da Bahia, Brasil. Nesse local de passagem nas muralhas, os peregrinos amarram fitas coloridas nos pulsos ou nos portões de ferro da igreja. A tradição diz que um desejo secreto se torna realidade quando a fita amarrada cai sozinha. Milhares de fitas semelhantes com desejos de visitantes de exposições anteriores de Rivane foram impressas e podem ser encontradas na parede da exposição em milhares de orifícios preparados para esse fim. Por mais colorida e divertida que a instalação pareça à primeira vista, muitas vezes há preocupações existenciais ou medos por trás dos desejos.

O Alienista (2019) é inspirado no conto homônimo do escritor Machado de Assis (1839-1908) de 1882: um médico formado na Europa inaugura o hospital psiquiátrico Casa Verde em sua cidade natal de Itaguaí. Depois de internar quase todos os residentes da cidade tranquila, ele finalmente decide libertá-los e se comprometer. Nessa prosa, o comportamento humano entre a razão e a loucura é nitidamente iluminado e revertido de forma humorística.

O Alienista, 2019. © Rivane Neuenschwander

Rivane ilustrou uma nova edição desse clássico da literatura brasileira em 2020. Ao mesmo tempo, as vinte figuras de contos de fadas foram criadas, feitas de tecido, papel machê, garrafas de vidro e outros materiais. Assim, ela transfere os moradores de Itaguaí para o atual contexto político do Brasil como uma parábola travessa. A artista atribuiu um apelido distinto a cada um desses estranhos personagens com seus traços de animais e plantas, que podem ser encontrados tanto no romance quanto na cultura brasileira contemporânea.

Em Chove Chuva (2002), a água pinga de baldes suspensos, acumula-se em baldes que estão no chão. Como no ciclo da água, os baldes são recarregados regularmente. O tamanho do orifício varia ligeiramente para que as gotas caiam em velocidades diferentes. Como uma dica para o técnico do museu, Rivane lhe pediu que imaginasse a chuva caindo em um telhado de zinco que vazava. Isso é sublinhado pelo teto aberto do espaço de exposição em um padrão de tabuleiro de xadrez.

Chove Chuva, 2002 © Rivane Neuenschwander

O clima do Brasil é predominantemente tropical, com a estação chuvosa pronunciada caindo de outubro a abril. As chuvas criam uma atmosfera sonora, dão origem a associações com proteção e desproteção contra as forças da natureza e atestam a integração do ser humano nos ciclos da natureza.
A obra A Day Like Any Other (2008), que a artista produziu originalmente para o Bienal de São Paulo, consiste em relógios dobráveis modificados, cujos dígitos foram totalmente substituídos por zeros. Em 2008, 24 desses relógios estiveram em exibição em todo o pavilhão da Bienal de São Paulo e em locais associados à exposição, como restaurantes e hotéis. Desta vez, 12 relógios são instalados em locais diferentes em Liechtenstein e na fronteira em em Zurique e Buchs, na Suíça, e Feldkirch, na Áustria.

Em um dia como qualquer outro, a hora dos relógios é sempre 00:00. O evento esperado, a passagem do tempo, nunca ocorre e, apesar do giro dos dígitos, o tempo parece não estar correndo mais. A obra poética de Rivane permite que o tempo onipresente do decorrer de nossa vida diária seja experimentado por meio do ruído suave e, ao mesmo tempo, sobrepõe o valor prático do tempo.

A Day Like Any Other, 2008 © Rivane Neuenschwander

Em 2015, a artista começou a desenhar capas protetoras para crianças contra seus medos. Depois de workshops em Londres, outros seguiram no Rio de Janeiro, Aarau, Suíça, e agora em Vaduz.

As crianças notaram seus medos – de espaços confinados, escuridão, horror, doença, caracóis ou cobras, etc. –, fizeram desenhos e levaram para casa. Com base nos desenhos e nas fotografias, Rivane desenhou mais uma vez cinco novas capas protetoras em colaboração com o designer brasileiro Guto Carvalhoneto.
A artista criou um vínculo entre diferentes pessoas e culturas, semelhante ao Eu desejo o seu desejo.

As roupas, que lembram fantasias de carnaval, animais ou super-heróis, também fazem pensar no poder “mágico” que as vestimentas podem dar às pessoas.
Para suas obras em vídeo, destacamos Os diários de Pangeia (2008). Milhões de anos da história da Terra em um minuto. Esta obra ilustra a teoria de Alfred Wegener (1880-1930), publicada pela primeira vez em 1912, sobre o deslocamento continental na forma de uma refeição variável. Um prato de carpaccio é eficientemente transformado por minúsculas formigas; isso é possível por meio da tecnologia de stop-motion, em que as gravações individuais são agrupadas. O continente primário da Pangeia, que – segundo a teoria – existia na era geológica do Permiano há 298 milhões de anos, está mudando para a situação atual dos continentes até uma possível forma futura. As formigas são as protagonistas desse processo e relativizam o olhar humano.

Foto: Stefan Altenburger, Zürich. © Kunstmuseum Liechtenstein

Já em Quarta-feira de Cinzas/Epílogo (2006), em parceria com o cineasta Cao Guimarães, segue a azáfama do carnaval pelo qual o Brasil é conhecido. Esse epílogo mostra como as formigas carregam confetes de cores vivas e brilhantes para o seu ninho sobre as folhas secas da floresta. Uma agitação encantadora e ao mesmo tempo melancólica, que é destacada pela trilha sonora tranquila da dupla performer brasileira O Grivo.

O som mistura tons originais do local da gravação com sons suaves de samba. Os sons rítmico-melódicos são produzidos em parte por fósforos que caem no chão: no Brasil, as caixas de fósforos costumam ser utilizadas como “instrumentos” para improvisar ritmos espontaneamente. Quarta-feira de cinzas/Epílogo, portanto, mescla sons da vida na floresta com os sons da cultura brasileira, assim como o carnaval brasileiro mistura o imaginário cristão com as raízes afro-brasileiras.

Nos últimos anos, Rivane deu início à série de pequenas pinturas em painel sobre madeira A uma certa distância (Ex-Votos). Tomando fotos votivas como sua inspiração, a artista começou a copiar essas imagens, mas omitindo as pessoas ou situações que elas retratam (santos, milagres, figuras ou referências de texto). A única parte copiada foi a representação arquitetônica da ocorrência. Essa redução destaca a perspectiva parcialmente precária e insegura, trazendo à tona espaços vazios, em sua maioria planos e de aparência abstrata. As pinturas votivas são comuns na tradição católica, principalmente desde os tempos barrocos. Eles são pequenos quadros devocionais oferecidos ao Divino – muitas vezes um santo particular – em uma igreja ou capela em agradecimento por uma salvação milagrosa ou para expressar o desejo de misericórdia ou ajuda em situações difíceis.

A uma certa distância (Ex-Votos), 2010. © Rivane Neuenschwander

 

Christiane Meyer-Stoll é curadora do Kunstmuseum Liechtenstein.

RIVANE NEUENSCHWANDER: KNIFE DOES NOT CUT FIRE •
KUNSTMUSEUM • ALEMANHA • 3/12/2021 A 21/4/2022

Compartilhar:

Confira outras matérias

Capa Garimpo Matéria de capa

THIX

De costas, com um vestido de babados rosa, um grande brinco dourado e uma trança presa por um laço preto, …

Do mundo

JOAN JONAS

 

“Não vejo grande diferença entre um poema, uma escultura, um filme ou uma dança. Um gesto tem para mim o …

Alto relevo

DAN FLAVIN

Dan Flavin (1933-1996) fez história ao criar uma nova forma de arte. Suas obras feitas de luz extraíam a cor …

Reflexo

ANNIE LEIBOVITZ

O olhar de Annie Leibovitz, seus instintos teatrais e sua genialidade são lendários, mas ela não é conhecida por um …

Do mundo

MARCEL DUCHAMP

É difícil explicar a Arte Moderna e Contemporânea sem passar pelas estripulias de Duchamp. E, a hora é agora de …

Flashback

JOHN SINGER SARGENT

John Singer Sargent foi, segundo o escultor francês Auguste Rodin, “o van Dyck de nosso tempo”, creditando-lhe a habilidade e …

Garimpo

ANNA MENEZES

Um fotógrafo do cotidiano é, antes de tudo, um observador, que deve estar atento ao mundo que o cerca e …

Flashback

FRANS HALS

Frans Hals pintava retratos; nada, nada, nada além disso. Mas isso vale tanto quanto o Paraíso de Dante, os Michelangelos, …

Do mundo

AMEDEO MODIGLIANI

Quase cem anos depois do encontro desses dois homens, em 1914, é interessante olhar de novo para um momento de …

Destaque

CAMILLE CLAUDEL

NÃO VIVAS DE FOTOGRAFIAS AMARELADAS

Camille Claudel

 

É possível enlouquecer por amor? Toda vez que se conta a história de Camille Claudel …

Alto relevo

ERWIN WURM

A certa altura, percebi que tudo o que me rodeia pode ser material para um trabalho artístico, absolutamente tudo. Para …

Alto relevo

ANA MENDIETA

ALMA EM CHAMAS: ANA MENDIETA “ARDE” NO SESC POMPEIA

Silhuetas em fogo é a sensacional exposição dedicada à Ana Mendieta, em …

Do mundo

HIROSHI SUGIMOTO

Em sua maioria produzidas com sua antiquada câmera de visão de madeira, as imagens de Hiroshi Sugimoto (Tóquio, 1948) destacam …

Flashback

CHAÏM SOUTINE

Chaïm Soutine (1893-1943) foi um artista com uma vida extraordinária. Criado em uma cidadezinha perto de Minsk, mudou-se para Paris …

Destaque

JARBAS LOPES

A natureza expande suas formas nas percepções dos que se aproximam dela. O artista Jarbas Lopes, com seu semblante de …