Luiz Pierre Zerbini é um artista que não teme a altura do voo. Transitou pela pintura, desenho, escultura, fotografia e gravura para depois aportar nos universos da cenografia, instalação e performance.
Não deixou de utilizar também o som como matéria-prima, especial componente dos trabalhos do Chelpa Ferro, coletivo que criou com Barrão (escultor) e Sérgio Mekler (editor de cinema) para investir na geração de novas linguagens sonoras, seja por meio de uma bateria/moby dick (2003), um “totó treme terra” (2006) ou uma sinfonia de marretas em um Maverick amarelo (Autobang, 2002).
O elo entre todos os voos alçados talvez seja a desconstrução: da forma, da cor, do som, da expectativa, do significado, para propor o salto no vazio, espaço de descoberta.
Entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, Luiz Zerbini apresenta sua exposição intitulada Fire, na conceituada Stephen Friedman Gallery, em Londres, espaço que já o recebeu em 2018 (South London Gallery), ocasião em que foi aclamado tanto pela crítica quanto pelo público.
Em um momento em que os temas ligados ao meio ambiente acirram interesses, discussões e angústias, Zerbini mostra trabalhos imbricados ao tema das florestas tropicais, a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica, em uma costura que reúne elementos orgânicos e abstratos para produzir um discurso que se sobrepõe à narrativa cotidiana.
Tece, assim, um texto poético contundente, marcado pelas cores que se mesclam em um complexo cromático criado pelo olho do paulista/carioca/globetrotter, reinventando pontos de vista para temas sempre profundamente necessários.
Em 1995, quando pintou A Ilha, lançou mão do jogo campo/contracampo para potencializar a especularidade imersiva do espectador, que se vê circulando entre os extremos, dos contornos da ilha ao cruzamento do figurativismo com o abstracionismo formal.
A estratégia se adensa em Ilha da Maré, pintada quase uma década mais tarde, quando as texturas da natureza foram sintetizadas em uma geometria pautada em formas básicas, linhas, retângulos, círculos e circunferências, distribuídos em camadas de cor e planos encadeados.
Nas telas expostas na Stephen Friedman Gallery, a profusão da diversidade contida em matas e florestas é organizada em flashes representativos, como disparos de energia inseridos em micro quadros que compõem a superfície da obra (como em A árvore do viajante e Happiness beyond Paradise, ambas de 2020).
A composição reticulada, entremeada por nervuras, traduz o objeto à sua síntese, por vezes transformando-o em um conjunto de vibrações que descontroem a figura e recuperam suas linhas de força, como acontece com Quadrícula e Mundos Novos (os dois de 2019).
O argumento que rege a lógica das obras expostas não é óbvio, manifesto, antes latente, montado sobre um fluxo babélico de elementos que povoam os espaços tematizados: plantas, flores, árvores, raízes, troncos partidos, gramíneas, frutos, terra, água e toda sorte de animais/seres mais ou menos complexos.
Os traços derivam (ou não) da capacidade técnica de Zerbini, que domina o pincel como a um bisturi, atravessando estradas neuronais para desobstruir os sentidos condicionados por discursos desgastados que geram o apagamento dos aspectos centrais, do que realmente merece ser dito. E visto.
As telas projetam movimentos de luzes e sombras do dossel da mata, perenemente verde, mas matizada de amarelos e vermelhos em múltiplas nuances, salpicada de azuis e tons que não correspondem à cor local, senão enquanto subterfúgio para incitar a reflexão.
O crivo do fogo, que dá nome à exposição, consome, peneira e borda o cerne da motivação que consequentemente moldou cada unidade de sentido, depurando em altas temperaturas e refinando na sutileza do resultado estético.
Fire é um palimpsesto, cada camada de sentidos inaugura uma nova indagação, resultado da mente dispersa e incrivelmente focada do artista, do pintor.
As telas projetam movimentos de luzes e sombras do dossel da mata, perenemente verde, mas matizada de amarelos e vermelhos em múltiplas nuances, salpicada de azuis e tons que não correspondem à cor local, senão enquanto subterfúgio para incitar a reflexão.
O crivo do fogo, que dá nome à exposição, consome, peneira e borda o cerne da motivação que consequentemente moldou cada unidade de sentido, depurando em altas temperaturas e refinando na sutileza do resultado estético.
Fire é um palimpsesto, cada camada de sentidos inaugura uma nova indagação, resultado da mente dispersa e incrivelmente focada do artista, do pintor.
LUIZ ZERBINI: FIRE •
STEPHEN FRIEDMAN GALLERY •
LONDRES • REINO UNIDO •
20/11/2020 A 9/1/2021
Lilian França é Pós-Doutorado em
História da Arte pelo
IFCH/UNICAMP e membro da
ABCA e da AICA.